A esfera da sexualidade humana não é assunto inédito ou inusitado no campo da cultura, porém poucas vezes fala-se de dentro dessa condição. Sobra juízo de valor e falta experienciação das múltiplas possibilidades de vivenciar o desejo e suas implicações, sejam essas de gozo ou de dor, as duas esferas que caracterizam a vida, e por conseqüência, a pulsão sexual.
Ao lidar com quatro atores em cena que se articulam em papéis que na maior parte das vezes prescindem da definição de gênero, justamente o que se faz é deixar de lado o binarismo que rege os comportamentos sexuais hegemônicos da sociedade, mesmo em tempos de questionamentos de identidades de gênero e opção sexual. A questão aqui não é masculino OU feminino, tampouco violência OU carinho, mas justamente todas as nuances que pode haver entre esses extremos. Como autora e diretora do texto, firmo nossa seriedade diante dos assuntos retratados e nossa compaixão a todas as vítimas de violências sexuais. Não estamos trabalhando pela promoção da violência. Mas a arte está em seu lugar quando promove questionamentos acerca do que delineia a experiência HUMANA, tão tristemente reduzida e enquadrada pela cultura em limites invisíveis tão aprisionadores. Sim, a dor pode ser prazerosa. Sim, o desejo pode ser inevitável e insuportável para quem o carrega quando não “deveria” ou não gostaria. E condição feminina ou masculina se constitui a partir de muito mais do que um órgão sexual. Os possíveis desenhos outros para a pulsão sexual e suas conseqüências podem ser difíceis e dolorosos de serem acessados, e requerem um rompimento com a cultura e com a obrigação de se colocar os fatos em julgamentos de valor. Não se trata de promover a inversão dos valores morais estabelecidos, mas de se permitir levar para um outro lugar onde a moral não dite o peso das coisas. Livres de culpa e preconceitos, a experienciação destes lugares tem sido incrível para todos nós. Estamos de braços abertos para que se abandonem conosco nessas veredas, talhadas sobre um ponto de vista mais virgem e libertador acerca da vida.
Raquel Schaedler
